Sunday, January 18, 2009

EM 75 MILIMETROS

EM 75 MILIMETROS

Decorria o início dos anos 70 no Brasil. Epoca de ditadura militar com obrigação de se marchar em todo 7 de setembro. Cantando o Hino Nacional. O futebol era a Tri-Campeão do Mundo, esquadrão de ouro, bom no samba, bom no couro. Veraneios e Simca Chambords eram os carros da vez. Empregos havia a granel. Na televisão a Globo se firmava como a grande força da mídia do país.

Nossa família ainda estava inteira morando em casa. Todos os 5 filhos. Uma tarde, me lembro bem, vi o Papai tirar do carro um objeto cinza, bem grande e que parecia também muito pesado. O que seria aquilo? Sempre muito curioso nos meus 8 ou 9 anos de idade, cheguei perto e perguntei:

-“Pai, o que é isso?”
-“E’ um projetor meu filho. “
-“Protetor de que?”
- “Não filho, não é protetor, é PROJETOR. E’ uma máquina de passar filmes de cinema.”
- “Aqueles bem grandões? Como na Noviça Rebelde?”
- “E’, isso mesmo.”
- “E o que que a gente vai assistir? Não tem que comprar os filmes?”
- “Não precisa comprar. A gente aluga eles pelo fim-de-semana.”
- “Ah. E onde a gente assiste?”
- “A parede da sala-de-estar é um lugar perfeito. E’ branca. A gente tira um dos quadros, arruma o sofá e as cadeiras como se fosse num cinema e pronto, assiste ao filme.”

Depois de descarregar o tal projetor foi a vez de duas caixas redondas de metal. Tentei carregar, mas como eram pesadas! Não sabia que filmes pesavam tanto.

- “Que filme vamos assistir?”
- “O Ouro de Maquena. E’ um filme de caubói.”
- “Que legal. Posso assistir?”
- “Claro que pode, foi poi isso que compramos projetor.”

E assim chegou o Domingo a noite. Acho que deviam ser umas 20 pessoas que vieram a nossa casa para ver o filme. O papai e o Zaga, irmão mais velho, se atrapalhavam ao colocar o “rolo” de filme no projetor. A lâmpada tinha que esquentar. O rolo não podia parar nunca, senão o calor da lâmpada queimava a película sobre o plástico do filme. E ainda, no fim de cada rolo tinha que parar e trocar. Deixava-se a máquina ligada e apagava-se a lâmpada por alguns minutos. O ventilador sobre a lâmpada fazia tudo esfriar mais rápido. O alto-falante era responsável por metade do volume da máquina. Um fio ligava as duas metades. Não entendia porque era “alto” se ele era tão baixo...e além de tudo pesadíssimo.

Com as visitas sentadas as luzes se apagam. O som começa meio esquisito, mas logo fica bom. O irmão mais velho ajusta a imagem que está “fora de foco”. Um pouco mais, um pouco menos e “voilá” imagem perfeita. A grande cena dos cavalos andando pelo deserto. A busca pelo ouro perdido em Eldorado. Paredes inteiras de um penhasco formadas de ouro sólido. Indios inimigos. Ganância pelo metal valioso. Muitos tiros e traição.

Na troca de rolos uma parada estratégica para o lanche. Frios, mussarella, pão-francês fresco, queijo-de-copo, guaraná, coca-cola e sopa. Que fartura.

Que divertido! Foram só alguns filmes. O mais marcante foi “Os Canhões de Navaroni” com o David Niven. Mas como era legal ter o “cinema em casa”. Para os que nasceram na geração do video-cassete e agora dos DVDs isso parece tão corriqueiro. Ver filme em casa. Mas, pelo que eu saiba, nós eramos a única família com um projetor de cinema em casa. E ainda víamos tudo na parede da sala!

Dividir a sala de cinema só com pessoas conhecidas era muito melhor do que ter estranhos ao lado. Principalmente para quem tem menos de 10 anos e gosta de sentar no chão. Hoje, quase 30 anos depois, ainda continuo com a mesma mania de deitar no chão para assistir filmes. Deve ser por ser o quinto filho. Será que a cadeira que sobrava para mim, se é que sobrava, era muito dura? Todos que vem a minha casa hoje em dia perguntam: “Você não vai sentar no sofá? Tem lugar”. E eu digo que o chão é o melhor lugar da sala e sempre que digo isso lembro do famoso “Ouro de McKenna”.

Dão
Julho de 2002

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